domingo, 3 de julho de 2011

Está na hora de acabar com a hipocrisia


Maconha, craque, cocaína e heroína. Essas são algumas das drogas mais consumidas no Brasil e no mundo e as que causam maiores problemas para os sistemas públicos de saúde e de segurança. Políticos, usuários e sociedade entram em uma discussão que precisa ser levada a sério: descriminalizar ou não o uso das drogas? A questão precisa ser abordada sem preconceitos e com a consciência de que é preciso alguma mudança que acabe com o narcotráfico, o grande causador dos conflitos urbanos. Declarar guerra contra esses entorpecentes não tem causado resultados satisfatórios, pelo contrário, abastece o crime organizado e custa bilhões, sem contar as inúmeras vidas que são perdidas diariamente.

No último mês estreou o documentário Quebrando o Tabu, dirigido por Fernando Grostein Andrade e com o sociólogo, e ex-presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, como âncora no debate sobre os rumos necessários para que o Brasil comece a se livrar desse antigo problema. Bill Clinton, Jimmy Carter, Drauzio Varella, Paulo Coelho, entre outras figuras emblemáticas, traçam um panorama e exploram os problemas ocorridos nesses 50 anos de política antidrogas. Só quem convive no centro do problema consegue enfrentar, sem hipocrisia, o que o governo reluta em assumir: está na hora de uma abordagem mais humana e afetiva, com ações de educação e saúde.

A maconha é a droga mais usada por jovens, é a porta de entrada para os outros tipos de experimentações como a da cocaína e a do craque. No ranking das drogas mais danosas ao organismo, a maconha aparece em 11º lugar, atrás da cocaína, do álcool e do tabaco. Voltando um pouquinho ao passado, em 1920, os Estados Unidos declararam guerra contra as bebidas. A proibição da fabricação, venda, troca, transporte, importação, exportação, distribuição, posse e consumo de bebida alcoólica ocasionou em conflitos e foi considerada por muitos como um desastre para a saúde púbica e a economia americana.

Mais recentemente, nos anos 70, o centro das discussões era o fumo. O consumo do tabaco transformou-se em uma indústria poderosa, alvo de investimentos de empresas poderosas, chegando a gerar em um ano cerca de 97 milhões de dólares. Ainda dentro dos altos investimentos, dessa vez no cinema e na mídia em geral, o cigarro passou a significar status, glamour, luxuosidade e poder. Apenas após a consciência dos malefícios causados pelo fumo e as consequentes políticas públicas de informação e educação, além das leis que regulam a fabricação, a propaganda e o consumo, hoje, o Brasil já viu o número de fumantes cair em 56% nos últimos 10 anos.

É utopia imaginar um mundo sem drogas. Desde antes de Cristo elas existem e foram utilizadas por diferentes sociedades históricas. O que precisa ser feito, então, é traçar diretrizes que combatam os efeitos das drogas nas pessoas. Alguns países da Europa já possuem métodos eficazes contra os problemas causados pelos entorpecentes. Na Holanda, as drogas são divididas entre leves e pesadas, com isso é possível encontrar maconha nos chamados coffeeshops e em alguns clubes para jovens, de maneira controlada, fazendo com que os usuários se distanciassem do mercado negro, diminuindo consideravelmente a violência causada pelo tráfico.

Em 2001, Portugal deu um grande passo nessa luta e descriminalizou o uso de todos os tipos de drogas. "Eles o fizeram por uma única razão: estavam muito preocupados com as altas taxas de abuso nos anos 90 – mais especificamente com a heróina - então chegaram à conclusão de que descriminalizar era o único caminho para baixar as taxas de abuso", diz o jornalista e comentarista político Glen Greenwald, que escreveu um relatório sobre os oito anos de descriminalização em Portugal para o Instituto CATO dos Estados Unidos.

Portugal optou pela descriminalização e não pela legalização, há uma diferença inportante entre os dois termos. O consumo continua sendo ilegal, mas não é tratado como crime, mas sim como um problema de saúde. O resultado foi que, a partir disso, os usuários podiam procurar ajuda no sistema de saúde para tratar a sua dependência sabendo que não seriam presos. Para isso, o governo criou clínicas de recuperação compostas por diferentes especialidades médicas que oferecem o suporte necessário aos dependentes. Entre a União Européia, Holanda e Portugal possuem, atualmente, taxas de usuários e de criminalidade inferiores a de países como França e Itália, que ainda declaram guerra contra as drogas.

É claro que o Brasil é um caso à parte, pois somos culturalmente diferentes e o nosso território é muito vasto, o que dificulta o controle das drogas. Além disso, a discussão em torno do problema deve ser iniciada com a revisão das estruturas de saúde pública, que, como todos sabem, não conseguem atender nem a uma pessoa que esteja precisando realizar um exame de rotina. Sem contar a educação e a informação, também precárias e pouco acessíveis às classes mais baixas, as mais suscetíveis ao tráfico e ao consumo de drogas.

O país precisa pensar em abolir o preconceito, primeiramente, contra a maconha. Já são provados cientificamente os benefícios medicinais da erva, que é uma poderosa ajuda para combater a dor crônica, e não há nada muito eficiente contra isso até agora, segundo o neurocientista e farmacologista Daniele Piomelli, considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto. Além disso, auxilia a tratar diversos outros problemas como estresse, pressão alta, ansiedade, insônia, perda de apetite, cólicas menstruais, problemas intestinais, epilepsia, esclerose múltipla, parkinson e câncer, entre outras patologias.

Iniciando a mudança de pensamento em torno da maconha e a descriminalizando, o Brasil poderá focar mais no combate às drogas mais pesadas. Uma vez que o tráfico não tenha mais o monopólio da maconha, seu lucro irá cair consideravelmente, dificultando a expansão dos traficantes com o comércio ilegal de armas, por exemplo. No entanto, o país ainda precisa dar passos largos na reestruturação da sociedade, quebrar paradigmas e tratar drogado como um doente e não o enviar para a cadeia. Após alguns anos preso, ele retorna às ruas sem oportunidade de trabalho e sem ter se livrado da dependência. O que resta para esse indivíduo é voltar para onde ele veio e iniciar um novo ciclo de consumo e de tráfico, com violência, morte de pessoas inocentes e uma guerra urbana que está longe de terminar.

Um comentário:

  1. Falou tudo! Não dizem que "tudo que é proibido é mais gostoso"? Então vamos legalizar para que este fator não seja mais determinante nos adolescentes influenciados por essa ideia. Infelizmente quem quer usar, vai dar um jeito independente de ser permitido ou não. Acredito que essa pelo menos seja uma forma de combate ao tráfico, pois se cada um puder comprar p/ consumo próprio, não terão que recorrer ao tráfico p/ isso.
    As informações estão aí. todo mundo sabe o destino que esse caminho leva, mas se mesmo assim ainda há àqueles que querem se afundar.. Problema deles!

    Ótimo texto ;D

    http://boulevardofideas.blogspot.com ;D

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